A geopolítica de um romance.
- Márcia Montenegro
- 20 de fev. de 2020
- 3 min de leitura
Atualizado: 21 de fev. de 2020
Eu gosto, particularmente, desses dois (Leonor e Rupert) discutindo política durante o café da manhã.
"Leonor retribuiu o sorriso. Quando ele não estava espalhando ordens era uma companhia agradabilíssima.
- Aquelas aldeias pelas quais passamos, o que deve ter acontecido com os moradores, será a peste a única responsável?
- A pestilência e a fome estão fomentando rebeliões de camponeses contra seus senhores, também há notícias sobre uma guerra às portas contra a França. Não sei qual desses fatores, ou se todos combinados, foi o responsável pelo que vimos. Este é um péssimo momento para aventurar-se sozinha longe de casa.
–Já ouvi falar sobre as ambições do rei, achar que os franceses aceitarão um inglês como governante, quanta insanidade!
– Está ciente dos bastidores da corte?
– Edgar, o primo do qual lhe falei, ele me contou...
– Você e esse tal Edgar são muito próximos, não? Está fugindo dele ou por causa dele? - ele a interrompeu, sentindo, desconfortável, uma pontada de ciúmes ao imaginá-la e um outro homem juntos. Tentou afastar a imagem da sua mente, julgando-se pateticamente ridículo.
– Vai mesmo abrir mão do nosso armistício? Estávamos indo tão bem.
– Perdão, esqueci o acordo de paz. Continue, o tal primo contou?
Leonor limpou a garganta e prosseguiu.
– Que o rei está enfeitiçado por um nobre rancoroso, inimigo da corte francesa, e já não ouve a mais ninguém, a ideia de reivindicar o trono francês tornou-se uma obsessão. Felipa comentou algo a respeito também, mas sem fornecer detalhes. -Só após abrir a boca Leonor percebeu que havia falado demais. Os dois olharam-se em silêncio, ela com um olhar de expectativa, ele com uma expressão divertida.
– Felipa? A rainha Felipa, suponho?- ele levantou uma sobrancelha.
– Não, não a rainha, é claro. Como eu poderia conhecê-la?- encolheu os ombros.- Uma homônima sua, de minhas relações. Você não tem noção de quantas Felipas existem na Inglaterra...e na Escócia, na Escócia também.- pigarreou, desejando estapear a si própria.
– E essa sua amiga escocesa, cujo nome foi posto em homenagem a nossa rainha, embora estejamos em guerra com a Escócia há anos e eles nos odeiem, ela também conhece o rei Eduardo em sua intimidade? - a sobrancelha continuava levantada.
– A intimidade de um monarca é bem mais devassada que a do cocheiro real, todos acabam falando sobre tudo - replicou Leonor, disfarçando. – Qual a sua avaliação sobre esses rumores?
Rupert deixou-se conduzir, reprimindo o sorriso, haviam conseguido estabelecer uma harmonia e não queria desfazer aquele início de entendimento.
– Você tenta me ludibriar e eu faço de conta que acredito, assim preservamos a trégua do nosso desjejum - tomou o copo e o girou, observando o restante da cerveja rodopiar no fundo.
Ele retomou.
– Conheci o rei de perto, servi em seu exército algumas vezes. Considero-o um homem valoroso, muito parecido com o avó. Segundo o que ouvi, o povo o admira e isso traz estabilidade. Será um grande monarca se o orgulho e a teimosia não turvarem sua razão. Felipa exerce uma grande influência sobre ele, me refiro à rainha e não a essa sua amiga - ressaltou sorrindo -, apenas ela consegue acalmar seus acessos de ira.
Ela revirou os olhos e emendou outra pergunta.
– O temperamento iracundo da linhagem real é lendário. Chegou a presenciar algum desses acessos?
– Participava de um torneio de justa em Londres quando a galeria onde estava a rainha desabou. Ela saiu ilesa, mas Eduardo ficou transtornado e pediu a cabeça dos construtores responsáveis, ordenou que fossem enforcados sumariamente. Foi a intercessão de Felipa, ajoelhada com lágrimas nos olhos, que livrou os infelizes da forca. O povo a alçou à condição de santa daí por diante.
– Felipa usou de misericórdia, é uma rainha por excelência! – Leonor exprimiu sua deferência. - Espero que a autoridade moral que exerce sobre o marido nos livre de um confronto com a França.
– Talvez, mas o sangue de Eduardo I corre nas veias do neto. Sua impulsividade pode sim nos arrastar para uma guerra longa e sangrenta.
– E inútil - completou pesarosa.

Um dos meus livros preferidos!